Visitar a Turquia, sexto destino turístico mundial, era sonho acalentado há tempos. O país é surpreendente. Desde o caminho que, em Istambul, leva do aeroporto à cidade, com canteiros de flores que parecem desenhados por um artista – os quais, infelizmente, não registrei em fotos – até a sociedade moderna e ao mesmo tempo cheia de contrastes.
Os problemas são muitos, e estão nas páginas dos jornais. Mas nada haverá de empanar o brilho do país e da antiga Bizâncio, depois Constantinopla, atual Istambul, cidade que mostra resquícios de influências romana, otomana, islâmica e cristã, e tem posição geográfica e cultural divisória entre Europa e Ásia, Ocidente e Oriente.
Chegamos a Istambul durante o Ramadã, importante celebração religiosa do islamismo. A cidade, com 14 milhões de habitantes, estava ainda mais cheia, com famílias reunidas nos gramados das praças.
A Ponte Gálata liga as duas partes europeias de Istambul e é um dos atrativos turísticos da cidade. No nível abaixo da pista de rolamento há bares e restaurantes onde se pode tomar drinques, apreciar petiscos típicos e, ao entardecer, observar a linda vista.
A Basílica de Santa Sofia – ou Hagia Sophia - foi construída entre 532 e 537 pelo Império Bizantino. Embora pareça, não é dedicada a Santa Sofia. O nome Sofia é derivação da palavra grega “sophos”, que significa “sabedoria”. Portanto, seu nome significa “santa sabedoria”, ou “sagrada sabedoria”.
Até 1453 Hagia Sophia pertencia à Igreja Ortodoxa Bizantina, exceto entre 1204 e 1261, depois da invasão de Constantinopla pela Quarta Cruzada, quando foi transformada em catedral católica romana.
Em 1453, quando o Império Otomano conquistou a cidade, tornou-se mesquita muçulmana. Os sinos, o altar e os vasos sagrados foram removidos, e características islâmicas - como os quatro minaretes - foram adicionados. Permaneceu como mesquita até 1931, quando, na então recém-criada República da Turquia, foi secularizada e transformada em museu.
Em frente a Hagia Sophia fica a Mesquita Azul, mandada construir em 1606 pelo sultão Ahmed I. É a única de Istambul com seis minaretes. É também chamada Mesquita Sultanahmet, referência ao seu idealizador.
A intenção de Ahmed I era de que fosse maior, mais imponente e mais bonita do que a Igreja de Santa Sofia, superando-a e mostrando a supremacia do Islã sobre o Bizâncio Cristão.
A Mesquita Azul é considerada uma das obras primas do mundo islâmico. Suas paredes e cúpulas são enfeitadas por mais de 20 mil azulejos em 70 estilos e padrões diferentes, predominantemente azuis. O chão é coberto por tapetes. Sultanahmet funciona até hoje como mesquita, e é fechada cinco vezes por dia para orações. Quando aberta, os visitantes têm entrada franca, mas devem respeitar certas regras: homens não podem entrar de bermudas, nem mulheres com saias curtas, cabelos e ombros descobertos.
Outras mesquitas de Istambul também merecem ser visitadas. Em quase todas se encontram azulejos feitos na cidade de Iznik, desde sempre a capital turca da cerâmica. Iznik influenciou a produção europeia, e pode-se mesmo pensar que os famosos azulejos de São Luís do Maranhão, no Brasil, tenham raízes mouras, com escala na Península Ibérica, dominada durante mais de mil anos pelos muçulmanos.
A palavra azulejo vem do árabe azzelij (ou al zuleycha, al zulaco), que significa "pequena pedra polida". Nada a ver, portanto, com a cor azul – embora haja tantos azuis nos azzelij. Mas também há verdes, vermelhos e amarelos. Os motivos são flores, folhas, arabescos, formas geométricas. E, como num caleidoscópio, as formas se misturam, se sobrepõem, se repetem, modificadas… Um encantamento.
Outra visita indispensável é ao Palácio Topkapi, construído em 1453, logo após a conquista de Constantinopla pelos turcos, e durante três séculos usado como residência dos sultões. É preciso reservar pelo menos meio dia para visitá-lo – e para enfrentar as filas. Mas vale a pena.
Topkapi é um grande complexo de 700 mil m² de jardins, salões, pavilhões, pátios e demais construções, que incluem o harém do sultão e o palácio propriamente dito. Pelas dimensões, é como uma cidade dentro da cidade de Istambul.
Impressionante é o acervo em joias, obras de arte, tapetes, relógios, cerâmicas, cristais e pratarias, acumulado durante quase 500 anos de poderio otomano. Essas preciosidades não podem ser fotografadas, assim como a armadura de diamantes de Mustafá III, a adaga cravejada de pedras preciosas, e a estrela absoluta: a joia com um imenso diamante de 86 quilates, ladeado por 40 brilhantes. Indescritível.
A sala abaixo à direita fazia parte do harém, onde moravam esposas, concubinas e filhos do sultão. Na época de Murat III, lá residiam cerca de 1200 mulheres. No espelho à esquerda – com outro em frente, proporcionando visão infinita – se miravam essas mulheres, que competiam entre si para serem escolhidas como a favorita do sultão e garantir que um de seus filhos se tornasse o sucessor.
Podem-se imaginar as rivalidades, intrigas e lutas pelo poder dessas mulheres que não tinham outra perspectiva de vida – e que além disso eram controladas pela “sultana validé”, a rainha-mãe, poderosa genitora do sultão.
O Palácio é dividido em duas partes, a administrativa e a particular, todas magnificamente decoradas com vitrais, azulejos e pinturas.
Topkapi se tornou museu em 1924, depois da dissolução do Império Otomano e da fundação da República da Turquia.
A mais perfeita tradução de Istambul é o Grand Bazar, por onde passam diariamente cerca de 300 mil pessoas. São mais de 60 corredores, com 3 ou 4 mil lojas, nas quais se calcula trabalhem 20 mil pessoas. Funcionando desde 1461, é provavelmente o maior e um dos mais antigos mercados cobertos do mundo.
Os comerciantes, querendo agradar os turistas brasileiros, diziam “obrigado” e faziam menção à presidente Dilma Roussef.
Sapatos e chapéus típicos, lenços e echarpes, tapetes… A variedade é imensa. O lugar tem fama de caro, mas é fundamental exercer a arte da pechincha: comprei um bonito tapete artesanal curdo, certificado, por ótimo preço, melhor do que o encontrado em outras lojas, inclusive no interior do país.
Objetos de decoração bem ao gosto turco, com pedras coloridas, elaborados e cheios de detalhes, estão à disposição.
Botas pintadas, doces e guloseimas são exemplos da grande variedade de produtos…
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…assim como todo tipo de bugigangas, além de belos lenços de seda, pashminas e peças de fino cashmere.
As joalherias são um caso à parte. Difícil acreditar que aquela abundância de joias de ouro, prata e pedras preciosas, num lugar tão popular, ao lado de simples lojas de artesanato, sejam verdadeiras. Mas são.
Depois de observar instrumentos musicais típicos, o famoso “churrasco grego”, como é chamado no Brasil, é ótima – e barata - pedida para matar a fome.
Outro mercado um pouco menor é o Bazar de Especiarias. Doces turcos, azeitonas, temperos…
…vários tipos de chás, especiarias e caviar de diversas procedências fazem o visitante ficar com água na boca.
Mas há outros passeios em Istambul, como o obrigatório tour pelo Estreito de Bósforo, que separa a Europa da Ásia.
Durante duas horas, num barco confortável, avistam-se construções como o Palácio Dolmabahçe, a Ponte Mehmet, a Fortaleza da Europa e outras atrações. As filas são inevitáveis, inclusive para subir num mirante de onde se tem bonita vista do Chifre de Ouro, estuário de água doce e salgada que divide o lado europeu da cidade.
Mas Istambul não se resume a atrações turísticas. A cidade é encantadora, moderna. E tem toques misteriosos: na primeira noite, acordei de madrugada com algo que me pareceu o canto exótico de uma mulher. Depois soube que era o chamamento islâmico para as rezas, que ocorre cinco vezes por dia, a partir das mesquitas. A melodia é linda, hipnotizante, numa escala musical diferente da ocidental. Para quem quiser ouvir, um exemplo, entre vários disponíveis na internet: https://www.youtube.com/watch?v=27HRW0R30RE
Bairros charmosos, com hotéis, restaurantes e lojas, encantam os 20 milhões de turistas que a cidade recebe anualmente. Bebidas alcoolicas são servidas sem problemas, embora o islamismo proíba o consumo delas. Mas o país é secular, a religião não interfere na vida cotidiana.
A comida turca é saborosa. Abaixo, num restaurante, a moça faz o que conhecemos como pão árabe. Ao centro, um prato típico e, à direita, o rapaz prepara uma das delícias da Turquia: o suco de romã.
O país tem um herói nacional: Mustafá Kemal Ataturk, que em 1923 proclamou a república, da qual foi o primeiro presidente. Ataturk – codinome que significa “pai dos turcos” - modernizou o país, ocidentalizando-o e tornando-o laico. Adotou o alfabeto greco-romano,valorizou a participação da mulher na sociedade e proibiu o uso da burca em ambientes públicos – proibição que foi derrubada em 2013. Agora as mulheres podem sair às ruas como quiserem – com ou sem burca ou niqab.
Mas a nova geração de mulheres turcas não dá muita importância à religião nem usa as vestimentas típicas. Em restaurantes elegantes não vimos mulher alguma com a cabeça coberta. Em lugares mais populares, as que encontramos de burca ou niqab – como a que abaixo levanta o véu para comer – são curdas ou da Arábia Saudita, segundo nos informaram.
Jovens de aparência próspera – como o casal abaixo, talvez saindo do imperdível banho turco, pois o rapaz está de roupão –contrastam com a realidade triste da Europa de hoje: o homem e sua filha, refugiados de guerra da Síria, pedem ajuda ao lado de um restaurante onde as pessoas se divertem e mal lhes dão atenção.
A Praça Sultanahmet, entre a Mesquita Azul e Hagia Sophia, foi palco há semanas de um atentado, outro retrato amargo da situação política mundial. Difícil imaginar esse acontecimento no coração da região turística, onde sempre havia muita gente, inclusive noivos posando para fotos.
As mulheres, vestidas de diversas maneiras, se mostram vaidosas e procuram se enfeitar.
A cabeça está coberta, mas o jeans é detonado, como manda a moda. Enquanto isso, tênis modernos aparecem por baixo do niqab.
Se ocultar os cabelos e o corpo tem por objetivo fazer a mulher passar despercebida, a roupa zebrada age na direção oposta. E o contraste entre as mulheres com roupas islâmicas e a policial de calça, camiseta, cabelos presos e revólver na cintura é grande.
Três amigas, muito elegantes, batem papo e consultam o celular. Outra mulher, de expressão forte e maquiagem carregada, chama a atenção pelo estilo.
A sandália prateada e as unhas de duas cores; o perfil delicado da moça de véu branco; e o casal em situação tão desigual: paisagem turca.
No pôr-do-sol, o metrô leva ao lado asiático da cidade, onde as pessoas se reúnem à beira-mar. A lua sobre Sultanahmet lembra o crescente da bandeira turca.
Adeus, Istambul. Até qualquer dia…