sexta-feira, 24 de abril de 2015

Vai pra Cuba!

Os românticos guerrilheiros de Sierra Maestra povoaram a imaginação dos jovens de todo o mundo durante décadas. Na América Latina, palco de ditaduras sanguinárias na segunda metade do século passado, Fidel Castro e Che Guevara se tornaram ícones.

“Mamãe, eu quero ir a Cuba” - cantava Caetano Veloso nos idos de 1983. Na época, quem quisesse chegar à ilha tinha que dar voltas, fazer baldeação em outro país. E até bem pouco tempo carimbo cubano no passaporte era impedimento para entrar nos Estados Unidos.

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Hoje, mais de meio século depois da revolução – que eliminou o analfabetismo, implementou saúde pública universal e praticamente zerou a mortalidade infantil – os EUA  anunciaram, em dezembro último, a normalização das relações com Cuba, rompidas desde 1958.

Para completar, após encontro histórico entre Obama e Raúl Castro na Cúpula das Américas, ocorrido em abril deste ano, o presidente americano anunciou intenção de tirar o país da lista de “Estados patrocinadores do terrorismo”.

Muito antes, na década de 90 do século passado, empresários espanhóis já haviam enxergado o potencial de Cuba, onde, desafiando o embargo americano, investiram na infraestrutura turística. Visitantes do mundo inteiro acorreram: o lugar é uma delícia, as atrações são muitas, e o povo, amável e hospitaleiro.

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Hemingway já sabia disso há tempos. Viveu na ilha de 1939 a 1960 em Finca Vígia, casarão de arquitetura colonial espanhola a 18 km de Havana, no povoado de San Francisco de Paula, onde costumava hospedar artistas e intelectuais americanos e europeus.

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Em Cuba ele escreveu a obra prima “O velho e o mar” – talvez inspirado nas longas pescarias que gostava de fazer a bordo de seu iate Pilar

Nos bares onde o escritor degustava incontáveis mojitos e daiquiris, ele deixou sua marca:

“My mojito in La Bodeguita, my daiquiri in El Floridita”, diz a declaração assinada por ele, e orgulhosamente pendurada na prateleira da Bodeguita del Medio.

 

 

 

 

    

     Os turistas, é claro, seguem o conselho de tamanho entendido no assunto, e lotam a Bodeguita del Medio e o Floridita.

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Wim Wenders também se deixou enfeitiçar pela magia de Cuba, onde filmou o antológico Buena Vista Social Club. A grata surpresa foi encontrar, em Havana, gabaritados músicos de rua, tão competentes quanto os focalizados pelo cineasta.

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         Esses ou outros músicos se apresentam à noite em lugares onde se pode ouvir música e dançar – até mesmo na calçada.

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Apesar de toda essa alegria, pode-se constatar que o país é gritantemente pobre.  Os reflexos se fazem sentir. Carros da década de 50 – embora totalmente recuperados – circulam por Havana. Charmosíssimos, estão à disposição dos visitantes, que se divertem dando uma voltinha por Habana Vieja, o bairro mais turístico da cidade, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1982.

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É claro que os turistas dispõem de outros meios de transporte, como charretes e os curiosos tuc-tucs, taxis abertos e pequenos, que levam apenas dois passageiros.

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A face cruel do bloqueio econômico imposto pelos EUA– que se espera acabe, com a recente distensão entre os dois países - é exibida ao público em cartazes comparativos, que deixam claras as dificuldades que a medida causa à população.

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Há mais de cinquenta anos enfrentando com galhardia a maior potência mundial, Cuba sofre com muitos problemas. O turista, sempre bem atendido, não participa nem toma conhecimento deles. A não ser pela estranheza da existência de duas moedas – o CUP, para a população, e o CUC, para os turistas – e pela falta de veículos de comunicação, espaço ocupado unicamente pelo Granma, jornal oficial.

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A pobreza da população é visível. Apesar disso, nas conversas com populares e nos grafites de rua pode-se sentir a aprovação e o orgulho do povo pela revolução.

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Os heróis nacionais estão em toda parte. Num hotel elegante, o quadro abaixo pedia liberdade para os cinco cubanos presos desde 1998 nos EUA, acusados de espionagem. Na esteira das conversações entre Obama e Raúl Castro, os três últimos deixaram a prisão em dezembro de 2014, chegando aclamados a Cuba. Os outros dois foram soltos em 2011 e no início de 2014, respectivamente, após cumprirem as penas.

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                  Além dos grafites, propaganda invocando os princípios éticos do socialismo pode ser vista pelas ruas.

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É também nas ruas e praças que o povo se mostra, muitas vezes com aparência pitoresca, querendo chamar a atenção dos visitantes e, quem sabe, vender algo e ganhar alguns valorizados CUCs...

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                                                                             Turistas e locais se confraternizam e se divertem.

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No capítulo crianças, Cuba se destaca e anuncia: toda noite, 150 milhões delas vão dormir nas ruas em todo o mundo. Nenhuma é cubana.

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Cuba investe 12.9% do PIB em educação. O resultado é que alunos cubanos tiram notas muito mais altas em exames internacionais do que crianças de outros países latino-americanos, incluindo o Brasil. O país oferece educação básica de excelente qualidade, que somente crianças de classe média alta recebem em outras regiões da América Latina.

O Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2015, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), relata que Cuba é o único país da América Latina e Caribe a alcançar todos os objetivos mensuráveis de educação.

Com investimento social de 30% do PIB, o país tem excelentes resultados: eliminou o analfabetismo, tem saúde pública universal e taxa de mortalidade infantil inferior até à de países desenvolvidos. A expectativa de vida é de quase 78 anos.

O país tem 6,9 médicos para 1000 habitantes, um dos maiores índices do mundo. O Brasil, por exemplo, tem dois para cada 1000 habitantes; os EUA, 3,2.

 

 

Durante o governo de Fulgêncio Batista, derrubado pelos revolucionários de Sierra Mestra, a infraestrutura do país era voltada para os visitantes estrangeiros. Cuba era cassino e prostíbulo para americanos ricos. Corrupção governamental e tráfico de drogas se juntavam à inacreditável existência do Barrio Vedado, proibido a pobres e negros, onde só a elite branca e rica podia morar.

                Data dessa época o luxuoso Hotel Nacional, construído em 1930 no Barrio Vedado, e funcionando até hoje. 

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      Caminhando pelas ruas do Vedado e de Habana Vieja pode-se ter belas surpresas, relíquias dessa época de fausto.

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Belas surpresas são também os passeios que se pode fazer pelo país, como na Sierra del Rosario, declarada reserva de biosfera pela Unesco.

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                                                              A música cubana típica é onipresente, mesmo nas zonas rurais.

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A praia de Varadero, a 150 km de Havana, vale uma visita, mesmo que a temperatura não esteja convidativa para um mergulho. E, voltando à capital, é indispensável dar uma volta pelo cartão postal da cidade: os oito quilômetros do Malecón, a avenida que margeia o mar.

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                                                   É lá que se pode admirar o mais bonito pôr-de-sol da cidade.

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O papa Francisco – primeiro pontífice latino-americano – teve papel fundamental na aproximação Cuba/EUA. E deve visitar o país em setembro deste ano.

No Brasil, em recentes passeatas, pessoas desinformadas gritavam o slogan “vai pra Cuba” como provocação a quem pensa de maneira diferente delas.

Essas pessoas não entenderam o que está se passando no mundo. Mas não importa. O melhor é dar a volta por cima e pegar carona nesse conselho raivoso e anacrônico. Então…

Vai pra Cuba!

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