Os românticos guerrilheiros de Sierra Maestra povoaram a imaginação dos jovens de todo o mundo durante décadas. Na América Latina, palco de ditaduras sanguinárias na segunda metade do século passado, Fidel Castro e Che Guevara se tornaram ícones.
“Mamãe, eu quero ir a Cuba” - cantava Caetano Veloso nos idos de 1983. Na época, quem quisesse chegar à ilha tinha que dar voltas, fazer baldeação em outro país. E até bem pouco tempo carimbo cubano no passaporte era impedimento para entrar nos Estados Unidos.
Hoje, mais de meio século depois da revolução – que eliminou o analfabetismo, implementou saúde pública universal e praticamente zerou a mortalidade infantil – os EUA anunciaram, em dezembro último, a normalização das relações com Cuba, rompidas desde 1958.
Para completar, após encontro histórico entre Obama e Raúl Castro na Cúpula das Américas, ocorrido em abril deste ano, o presidente americano anunciou intenção de tirar o país da lista de “Estados patrocinadores do terrorismo”.
Muito antes, na década de 90 do século passado, empresários espanhóis já haviam enxergado o potencial de Cuba, onde, desafiando o embargo americano, investiram na infraestrutura turística. Visitantes do mundo inteiro acorreram: o lugar é uma delícia, as atrações são muitas, e o povo, amável e hospitaleiro.
Hemingway já sabia disso há tempos. Viveu na ilha de 1939 a 1960 em Finca Vígia, casarão de arquitetura colonial espanhola a 18 km de Havana, no povoado de San Francisco de Paula, onde costumava hospedar artistas e intelectuais americanos e europeus.
Em Cuba ele escreveu a obra prima “O velho e o mar” – talvez inspirado nas longas pescarias que gostava de fazer a bordo de seu iate Pilar
Nos bares onde o escritor degustava incontáveis mojitos e daiquiris, ele deixou sua marca:
“My mojito in La Bodeguita, my daiquiri in El Floridita”, diz a declaração assinada por ele, e orgulhosamente pendurada na prateleira da Bodeguita del Medio.
Os turistas, é claro, seguem o conselho de tamanho entendido no assunto, e lotam a Bodeguita del Medio e o Floridita.
Wim Wenders também se deixou enfeitiçar pela magia de Cuba, onde filmou o antológico Buena Vista Social Club. A grata surpresa foi encontrar, em Havana, gabaritados músicos de rua, tão competentes quanto os focalizados pelo cineasta.
Esses ou outros músicos se apresentam à noite em lugares onde se pode ouvir música e dançar – até mesmo na calçada.
Apesar de toda essa alegria, pode-se constatar que o país é gritantemente pobre. Os reflexos se fazem sentir. Carros da década de 50 – embora totalmente recuperados – circulam por Havana. Charmosíssimos, estão à disposição dos visitantes, que se divertem dando uma voltinha por Habana Vieja, o bairro mais turístico da cidade, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1982.
É claro que os turistas dispõem de outros meios de transporte, como charretes e os curiosos tuc-tucs, taxis abertos e pequenos, que levam apenas dois passageiros.
A face cruel do bloqueio econômico imposto pelos EUA– que se espera acabe, com a recente distensão entre os dois países - é exibida ao público em cartazes comparativos, que deixam claras as dificuldades que a medida causa à população.
Há mais de cinquenta anos enfrentando com galhardia a maior potência mundial, Cuba sofre com muitos problemas. O turista, sempre bem atendido, não participa nem toma conhecimento deles. A não ser pela estranheza da existência de duas moedas – o CUP, para a população, e o CUC, para os turistas – e pela falta de veículos de comunicação, espaço ocupado unicamente pelo Granma, jornal oficial.
A pobreza da população é visível. Apesar disso, nas conversas com populares e nos grafites de rua pode-se sentir a aprovação e o orgulho do povo pela revolução.
Os heróis nacionais estão em toda parte. Num hotel elegante, o quadro abaixo pedia liberdade para os cinco cubanos presos desde 1998 nos EUA, acusados de espionagem. Na esteira das conversações entre Obama e Raúl Castro, os três últimos deixaram a prisão em dezembro de 2014, chegando aclamados a Cuba. Os outros dois foram soltos em 2011 e no início de 2014, respectivamente, após cumprirem as penas.
Além dos grafites, propaganda invocando os princípios éticos do socialismo pode ser vista pelas ruas.
É também nas ruas e praças que o povo se mostra, muitas vezes com aparência pitoresca, querendo chamar a atenção dos visitantes e, quem sabe, vender algo e ganhar alguns valorizados CUCs...
Turistas e locais se confraternizam e se divertem.
No capítulo crianças, Cuba se destaca e anuncia: toda noite, 150 milhões delas vão dormir nas ruas em todo o mundo. Nenhuma é cubana.
Cuba investe 12.9% do PIB em educação. O resultado é que alunos cubanos tiram notas muito mais altas em exames internacionais do que crianças de outros países latino-americanos, incluindo o Brasil. O país oferece educação básica de excelente qualidade, que somente crianças de classe média alta recebem em outras regiões da América Latina.
O Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2015, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), relata que Cuba é o único país da América Latina e Caribe a alcançar todos os objetivos mensuráveis de educação.
Com investimento social de 30% do PIB, o país tem excelentes resultados: eliminou o analfabetismo, tem saúde pública universal e taxa de mortalidade infantil inferior até à de países desenvolvidos. A expectativa de vida é de quase 78 anos.
O país tem 6,9 médicos para 1000 habitantes, um dos maiores índices do mundo. O Brasil, por exemplo, tem dois para cada 1000 habitantes; os EUA, 3,2.
Durante o governo de Fulgêncio Batista, derrubado pelos revolucionários de Sierra Mestra, a infraestrutura do país era voltada para os visitantes estrangeiros. Cuba era cassino e prostíbulo para americanos ricos. Corrupção governamental e tráfico de drogas se juntavam à inacreditável existência do Barrio Vedado, proibido a pobres e negros, onde só a elite branca e rica podia morar.
Data dessa época o luxuoso Hotel Nacional, construído em 1930 no Barrio Vedado, e funcionando até hoje.
Caminhando pelas ruas do Vedado e de Habana Vieja pode-se ter belas surpresas, relíquias dessa época de fausto.
Belas surpresas são também os passeios que se pode fazer pelo país, como na Sierra del Rosario, declarada reserva de biosfera pela Unesco.
A música cubana típica é onipresente, mesmo nas zonas rurais.
A praia de Varadero, a 150 km de Havana, vale uma visita, mesmo que a temperatura não esteja convidativa para um mergulho. E, voltando à capital, é indispensável dar uma volta pelo cartão postal da cidade: os oito quilômetros do Malecón, a avenida que margeia o mar.
É lá que se pode admirar o mais bonito pôr-de-sol da cidade.
O papa Francisco – primeiro pontífice latino-americano – teve papel fundamental na aproximação Cuba/EUA. E deve visitar o país em setembro deste ano.
No Brasil, em recentes passeatas, pessoas desinformadas gritavam o slogan “vai pra Cuba” como provocação a quem pensa de maneira diferente delas.
Essas pessoas não entenderam o que está se passando no mundo. Mas não importa. O melhor é dar a volta por cima e pegar carona nesse conselho raivoso e anacrônico. Então…
Vai pra Cuba!